sexta-feira, 10 de julho de 2009

A Velocidade

Lembro-me do meu primeiro dia de trabalho. Recebi muitas instruções sobre o que podia e não podia acontecer e ser feito. Sinceramente, não sei o motivo de tantas instruções, talvez, foi devido a minha idade. Tinha apenas vinte anos e era dito inexperiente. Entretanto, foram muitas palavras que queriam significar uma coisa: Não pode entrar menor de idade na boate em nenhuma hipótese.
As primeiras festas não foram difíceis. Era nítido quem era menor de idade e quem não era. Os própios menores se entregavam, graças ao seu nervosismo. E assim, eu agia como um divisor, separando o joio do trigo. Mas fazer essa separação era cansativo, devido à insistência incessante dos menores de idade. Cheguei a gravar o rosto de muitos. O pior de tudo era que eles tentavam me coagir de todas as formas. Ofereciam-me dinheiro, imploravam e até me ameaçavam. Porém o meu trabalho era feito com uma perfeição singular. Por mim nenhum menor passou.
Porém com a virada do ano, muitos daqueles que eu barrei agora entravam. Era estranho vê-los lá dentro, afinal, eu os barrei muitas vezes. A maioria era hostil comigo, entretanto, pouquíssimos eram amigáveis e entendiam que fazia apenas o meu trabalho. Este que continuava a ser exercido com primor. E devido a isso o número de menores que tentavam "a sorte" caia bruscamente a cada noite.
E por muito tempo foi assim. Até que aconteceu um fenômeno estranho. Muitas pessoas com cara de criança tinham se tornado maiores de idade. Era impossível acreditar que elas tinham mais que dezoito anos, mas as suas carteiras de identidades atestavam este fato. Sinceramente, não entrava na minha cabeça. E algum tempo depois vi por quê nunca engoli isso. Os menores, graças a tecnologia, falta de responsabilidade e vergonha na cara, estavam falsificando as identidades. Fiquei sabendo graças a um rapaz, que barrei nas primeiras festas. Ele hoje era um amigo e advogado muito bem sucedido que continuava a frequentar a boate. Após descobrir essa farsa, só entrava quem eu achasse que fosse maior, independente de carteira ou não. E por consequência, o número de menores caiu bruscamente.
Fui promovido a chefe de segurança. Graças a minha aplicação e também por ser uma norma da boate que os seguranças da pista ou portaria terem que ser jovens. O trabalho de coordenar era muito angustiante. Pois eu via muitos menores entrarem. A cada noite havia mais e mais na boate. Eles burlavam ou compravam os seguranças. Eu demitia funcionários, mas não adiantava. Foi aí, que resolvi ficar inspecionando de perto, como fazia antes. E fiz como antigamente, barrei muitos.
Era estranho, já não reconhecia os jovens barrados. Foram tantos ao longo dos anos que era impossível reconhecê-los, como nas primeiras festas. E muitos que eu havia barrado nem iam mais à boate. Outros iam, porém já não transpiravam aquela juventude e sede de aventura. Outra coisa que assustava era rápida renovação. Muitos ali tinham idade para serem meus filhos.
Hoje, aposentado do trabalho que exerci, por quarenta anos, vejo que a Vida não é efêmera. Nós é que somos. E por mim passaram costumes, manias, sonhos, gerações. É triste ver as coisas se perderem para sempre. Sinto-me como tivesse sido cúmplice de um esquecimento, um assassinato. Entretanto, tudo está em uma eterna mudança e é assim que tem que ser. Pois essa é a cruel lei da vida. Ela ilude, fazendo-nos pensar que temos todo o tempo do mundo, mas todo esse tempo não passa de um mero instante. A Vida faz com que os jovens de hoje, sejam os velhos de amanhã. Que os vivos de agora sejam os mortos do sempre.

0 comentários: